terça-feira, 28 de julho de 2009

The Early Years I – Sobre sanduíches, medo e games.




Sempre que saíamos para lanchar à noite, eu esperava ansiosa ouvir a expressão mágica: “pra viagem”. N*******, onde nasci e passei uma parte da minha infância, não tinha muitas opções de lazer. Nossos passeios de sábado à noite eram quase sempre ir a um lanche que se situava ao final de uma avenida fronteiriça ao centro da cidade, e como morávamos muito próximo à dita avenida (sim, a rua R****** onde morava, era uma rua colateral a essa avenida,) era rota de percurso passar pelo tal lanche durante qualquer ida ao centro. E sempre que íamos lá, depois que eu e a mamãe já estávamos satisfeitas, o ritual se repetia: a conta era solicitada, e o papai pedia um x salada “para viagem”. Quando isso acontecia, ficava muito feliz, porquê eu era comilona. Ora, meu pai sempre foi famoso pelos seus assaltos noturnos à geladeira. E eu por ter insônia. Motivo para quê? Jogar vídeo game e comer de madrugada. Eu não tinha TV no quarto. E o Atari 2600 ficava na sala de estar juntamente à TV e o vídeo cassete. “Cansei” de ver, enquanto jogava, o papai sair de madrugada do quarto, rumando à cozinha, e lá ficando um certo tempo, em meio a ruídos de copos, talheres e pratos.Então eu desligava a TV rapidamente, e me escondia ao lado da estante, entre os jardins de inverno da mamãe (sim, eram quatro –um em cada extremidade da sala-). Numa madrugada de domingo, o x salada já estava lá, na geladeira. Eu, jogando Atari. Megamania. Subitamente, a fome. Ou seria apenas a vontade de comer? Eram três horas da madrugada. Eu sabia disso pois o relógio em formato de bailarina que ficava sobre o vão central da estante sempre estava lá, cronometrando o tempo que passava jogando escondida. Papai não havia aparecido até aquele momento, e eu sabia por experiência, que a hora crítica sempre era entre uma e duas da manhã. Em vista disso, resolvi parar o que fazia, e fui à cozinha. Abri a geladeira e ele estava lá. A luz amarela que se ascende com o abrir da porta, só aguçou a minha vontade de comer o sanduíche. Fiquei olhando ele, na prateleira do meio, dentro de um saco plástico transparente. Mas não o peguei logo. Pensei no papai. E se ele tivesse fome? E se não achasse o x salada? Dormiria com fome? Meu pai é um homem bom. Me dava tudo o que eu pedia dele, quando era criança. Minha preocupação era muito séria: ou eu com fome, ou (possivelmente) ele. Enfim, depois de cerca de cinco minutos presa a esse dilema, me lembrei da hora que marcava no relógio da sala. O momento crítico já havia passado, e a fome que eu sentia me avisou que eu deveria tomar uma decisão logo. Então eu o comi. Rapidamente e sem nenhum remorso. E o sabor da fritura gelada, me pareceu tão exoticamente gostoso na ocasião! Depois disso, voltei à sala, desliguei TV, console. E fui deitar. Dormi logo. Mas nessa noite, tive sonhos desconexos. Pesadelos. Sanduíches me atacavam. Os tubos de maionese, de mostarda...eu me defendia com eles! Num dado momento, umas bolachas começaram a cair do teto e me cobriram completamente. Eu morria asfixiada!!! Tudo isso acontecendo na nossa sala de estar, escura... apenas iluminada pela penumbra que penetrava o recinto através das grandes janelas que formavam duas colunas largas de vidro às extremidades externas das paredes voltadas ao pátio. Acordei num sobressalto! Estava suada, e trêmula. E com dor de barriga. Já era de manhã. O pior de tudo: sentia remorso por ter comido o x salada do papai. Fiquei pensando comigo mesma, em meio à dor no abdômen, se não seria castigo de Deus, o pesadelo, a dor. Senti-me mal por ter deixado meu pai com fome a noite toda. O medo do inferno me fez pular da cama, e de pé, olhando pro teto do quarto, dizer: “Deus! O Senhor me perdoa por ter comido o x salada do papai! Se eu ficar boa da dor de barriga, prometo não roubar mais a comida dele de noite, e nem jogar vídeo game escondida.” Miraculosamente, naquele instante a dor passou. Mas o remorso e a sensação horrenda que experimentei no pesadelo, não. Elas me acompanharam um certo tempo ainda da minha infância. Naquele dia, papai não perguntou sobre o x salada. E eu não joguei Megamania.Coincidências.

7 comentários:

  1. 1º coméntario do blog???

    Você só vai postar sua vida aqui?
    Seria legal você postar jogos legais para baixar com sua opnião do jogo.

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  2. Limão,

    Sobre jogos e a minha vida sim. Mas links pra download, não. Questões legais...lembre-se disso!

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  3. Texto interessante, mas o final me deixou...intrigado.

    Fazer OUTRO sanduíche pro seu pai não faria sua dor (na consciência) passar de forma mais eficiente e sem prejuízos pra ambos os lados?

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. de passagem para dizer que estou acompanhando daqui da cidade maravilhosa também...depois volto pra ler o texto...

    Anderson (Mickey)

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  6. Mas não pensou em dividir o sanduíche ao meio?

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  7. Eu comeria sem remoso, mas se fosse meu pai, já sabendo disso, compraia 2 xD

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